terça-feira, maio 25, 2004

Novas e Velhas Sensações (6/4/04)

Uma sensação é percebida como boa ou ruim quando no fundo do seu cérebro, por associação, ela mexe com recordações agradáveis ou não. A F1 atual tem me causado reações opostas.

Essa nova pista no Bahrein – Sakhir, Shakira ou o que seja – é, em princípio, o protótipo da pista medíocre e travada que infesta o atual calendário. Nada de curvas de altíssima, nada muito desafiador ou que separe frangotes enganadores de pilotos realmente bons. Três curvas em primeira marcha eram um prenúncio de muitos bocejos. Mas as freadas violentas necessárias para contornar essas curvas e a largura da pista proporcionaram alguns desses momentos em que um sorrisinho malicioso me escapa. Seria uma boa recordação sendo desengavetada?

Pilotos japoneses impostos às equipes por fabricantes de motores me incomodam tanto quanto as pistas de Herman Tilke e Takuma Sato teve a temporada de 2002 para me confirmar esse preconceito. Para piorar minha impressão sobre ele, o japonês ainda me destruiu uma veterana Lotus 49 em Mônaco. Eu já havia ficado contente com a temporada que ele passou longe dos Grandes Prêmios, mas a volta dele era questão de tempo. A Honda estava só esperando Villeneuve desocupar a moita. Imaginem: sai um campeão do mundo, um cara que enfrentou o Schumacher num de seus momentos mais infames, para entrar mais um japonês destruidor de chassis... Oh, vida! Mas não é que Taku-san está me divertindo? No Bahrein ele enfrentou dois pilotos poderosos de duas das principais equipes, Ralf Schumacher e David Coulthard. As reações de ambos foram correspondentes aos seus temperamentos. Ralf ainda se conteve na primeira curva, mas na seqüência fez como o escorpião da estória: obedeceu à sua natureza e usou da manobra predileta da Escola Schumacher, a infame fechada. Coulthard, como seria de se esperar, teve um comportamento fleugmático e negociou a posição cavalheirescamente, até perde-la. Inconseqüência ou a boa e velha ousadia, muito comum nos jovens pilotos que ainda não aprenderam a obedecer às ordens dos mais velhos? O que quer que seja, me peguei com aquela expressão sacana de novo.

No outro extremo das sensações, ou da reversão das expectativas, me encontro com a devastadora dominação de Michael Schumacher. Talvez eu devesse estar pelo menos orgulhoso de estar presenciando as conquistas históricas de um dos maiores pilotos da história, na equipe mais charmosa das pistas, fazendo coisas que os meus olhos vão demorar a esquecer. Derrapar nas quatro num carro com controle de tração e ainda manter controle absoluto da situação, como ele fez no Bahrein, não é para amadores. Mas porque será que eu não me sinto confortável? Será que eu nunca vi carros e pilotos tão superiores aos adversários a ponto dos locutores usarem a surrada expressão “carro de outro planeta” ou “melhor do resto”, para designar o prêmio de consolação? Para vocês terem uma idéia, no primeiro Campeonato Mundial que eu acompanhei Emerson Fittipaldi ganhou cinco de doze corridas. Outros campeonatos foram um massacre maior ainda, mas eu não senti o mesmo enfado de agora. Talvez porque Schumacher nem nos dê o prazer de uma ultrapassagem humilhante, de uma excursão pela brita para voltar à pista e ultrapassar os indefesos oponentes como se estivessem de freio puxado, nem de um errinho sequer. Nigel Mansell venceu um dos campeonatos mais fáceis da história, mas fazia tantas e tão boas, que ainda tínhamos momentos de prazer. Além disso, ainda havia o Senna para tirar uns coelhinhos da cartola.

A Fórmula 1 atual pode estar chatíssima, mas ainda merece uma olhada. Alguns bons momentos ainda fazem as velhas sensações fazerem uma visita. Acho que vou continuar a fazer a terapia da regressão domingo sim, domingo não.